A Substância - somos nossos piores vilões
Em A Substância mais cruel é a percepção da própria comparação de uma mulher para com as outras, indo muito além do desejo masculino e do meio social.
A Substância - somos nossos piores vilões
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“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso"
Tivesse um dos personagens mais famosos da história da literatura nascido nos dias atuais poderíamos enquadra-lo em diversos novos problemas modernos que são desencadeados pela excessiva distribuição de modelos de perfeição impostos pelas mídias. Ao meu ver Gregor Samsa de fato não havia se transformado num inseto, a história de Kafka não é literal no sentido monstruoso de seu protagonista - Gregor naquela manhã fatídica pode ter se percebido no limite de alguma perturbação - numa análise pessoal acredito que Gregor se tornou uma pessoa doente mentalmente, algo como uma profunda depressão. Para quem já passou perto do que é a sensação desse mal sabe que a percepção que passamos ter de nós mesmos se torna ínfima, dolorosa, cansativa e muitas vezes, repugnante. Gregor Samsa estava desassociado do Eu que conhecia até então, ele havia se tornado nada mais que um inseto asqueroso, assim também acontece com a brilhante (literalmente em seu sobrenome) Elizabeth Sparkle, personagem de Demi Moore no novo filme da Coralie Fargeat, A Substância.
A obra apresenta a história de uma atriz que passou pelo auge da fama há mais de duas décadas e hoje apresenta um programa fitness na TV. Sua carreira que outrora foi exaltada por todos hoje está decadente e a emissora onde trabalha busca um novo rosto para substituir a ultrapassada Sparkle - alguém mais jovem, bonita, que prenda a atenção de todos como um dia a jovem Elizabeth fez. De maneira geral e para evitar contar maiores acontecimentos da trama, a história do filme gira em torno de um drama importante da atualidade, o etarismo. Contudo, analisemos um ponto crucial que corre em paralelo ao filme junto da questão da idade - o distúrbio do Selfie. Demi Moore, protagonista da trama sofreu exatamente o mesmo problema que sua personagem, tendo confessado publicamente (e muito tem falado disso recentemente em entrevistas sobre o filme) que passou a partir de um dado momento a perder a conexão com quem ela era, vivendo escravizada pela dolorosa batalha pela beleza e jovialidade que percebeu estar se esvaindo com o passar dos anos. A terrível distorção de imagem que Demi viveu (e/ou) ainda vive foi brilhantemente transportada para sua personagem - e a atriz conseguiu talvez justamente por conhecimento de causa doar tanto e sem qualquer piedade e vaidade para com ela mesmo a monstruosidade que é essa cobrança do império da beleza eterna que vive dentro de nossas cabeças - numa escala muito maior ainda no que se trata do mundo das mulheres.
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