Acerca de François Cheng
O chamado da beleza nos impulsiona numa busca por mais beleza, por meio da contemplação e da criação, seja ela artística ou não.
Acerca de François Cheng,
Por Alexandre Sartório
Recentemente descobri a poesia do poeta francês François Cheng e esboço de sua pessoa e obra, juntei algumas informações e traduzi alguns de seus versos, além de arriscar um pequeno comentário analítico sobre eles, sem a pretensão de realizar um retrato ou uma apresentação de sua obra, mas com a intenção de apresentar um “novo amigo”.
François Cheng nasceu na China, em 1929. Da China mudou-se para a França em 1949, e naturalizou-se francês em 1971; partiu do taoísmo e chegou ao cristianismo: recebeu o batismo na Igreja Católica em 1969: disse numa entrevista que “do caminho taoísta para o caminho cristão, não houve renúncia”. Na década de 70 começou a publicar ensaios em francês sobre a poesia e a pintura chinesa, traduziu poetas chineses para o francês e franceses para o chinês; na década seguinte, deu início à sua obra poética na língua de Racine; desde 2002, senta-se na cadeira de número 34 da Académie française, instituição guardiã do francês fundada há quatro séculos, pelo cardeal Richelieu.
Em 2006, Cheng lançou um excelente ensaio sobre a beleza, com um fundamento fortemente platônico, um certo espírito cristão e referências das mais diversas – Santo Agostinho, Platão, Plotino, confucionismo, taoísmo, Bíblia, poetas sufis, poetas ocidentais, poetas e pintores chineses de épocas variadas, pintores ocidentais. Para Cheng, a beleza é a presença de um ser na plenitude de seu brilho. Essa presença inspira uma ligação entre os seres, que se impulsionam uns aos outros à plenitude da vida, a uma vida em constante renovação (a “vida aberta”), e, nos seres humanos, pode elevá-los, levando-os a um desejo de “transformação no sentido de uma transfiguração, e de uma maneira mais secreta ou mais mística, um outro desejo, o de se reunir ao Desejo original do qual parece proceder o universo mesmo, à medida que esse universo aparece inteiramente em sua presença plena de um esplendor manifesto ou escondido” (p. 23). O chamado da beleza nos impulsiona numa busca por mais beleza, por meio da contemplação e da criação, seja ela artística ou não, transfigurando-nos e transfigurando o real. Em outra passagem, carregada de poesia e de uma espiritualidade profunda, ele trata do desejo humano pela beleza em relação ao tempo:
“o desejo pela beleza não se limita a um objeto belo; ele aspira a se juntar ao desejo original de beleza, que preside o advento do universo, a aventura da vida. Cada experiência com a beleza, ainda que curta na dimensão do tempo, transcende o tempo, e ao fazê-lo, nos restitui toda vez o frescor da manhã do mundo” (p. 42).
A presença do mal – manifestados na violência, na vileza, na morte – não está ausente da reflexão de Cheng. O mal exige que, diante do chamado da beleza, tenhamos compromissos verdadeiros e sempre mais profundos com o bem, visando a renovação constante da vida, pois a verdadeira beleza não se pode desligar do bem e da verdade: “Quando a autenticidade da beleza é garantida pela bondade, nos vemos no estado supremo da verdade, aquele que segue (...) no sentido da vida aberta, aquele a que nós aspiramos como a uma coisa em si” (p. 60).
Os versos de La vraie gloire est ici (A verdadeira glória está aqui), livro de poemas que Cheng lançou em 2015, são a experiência de se viver em estreita relação com a beleza, sem deixar de olhar de frente o abismo. Talvez os versos sejam mesmo a travessia do abismo na beleza.
Continue a leitura com um teste grátis de 7 dias
Assine Livraria Trabalhar Cansa para continuar lendo esta publicação e obtenha 7 dias de acesso gratuito aos arquivos completos de publicações.