Ana Paula Maia - Anomalia literária
“Sou escritora, pronto. O meu lugar de fala se encontra dentro dos meus livros”.
Ana Paula Maia - Anomalia literária
Por Dionisius Amendola
“Quando escrevo, escrevo sobre o outro. O outro é o meu elemento de interesse, de aprofundamento.”
Ana Paula Maia
Em um texto anterior comentei que atualmente a literatura brasileira está impregnada de ideologismos que penetram tão profundamente a escrita dos literatos que pouco ou nada se salva nas obras contemporâneas que não seja mero discurso pré-programado ou defesa de pontos de vista limitados e que mais falam de um mundo próprio e fechado em si mesmo. Não é à toa que vemos o sucesso e a celebração de livros de “autoficção” - um gênero que a crítica tenta vender como novidade, mas que está entre nós desde pelo menos a publicação das Confissões de Santo Agostinho ou, para sermos mais modernos, na escrita de Henry Miller, que ficcionalizou sua vida de tal maneira que mesmo os melhores biógrafos tiveram dificuldades de separar o que era ficção em meio suas memórias confessas.
O sucesso e predominância dos autores de “auto ficção” nas prateleiras das livrarias e nas páginas dos jornais (Annie Ernaux, José Bortolucci) é um indício importante de como a literatura hoje é validada – e limitada – pelas origens sociais, culturais, pelo gênero e até mesmo, pasmem, genética – de seus autores. Não é difícil encontrar críticos, autores e resenhistas que defendem abertamente e com ares puritanos um “lugar de fala” na literatura. Isto é, um autor só pode escrever sobre aquilo que “viveu na pele”.
Neste cenário a obra de Ana Paula Maia é uma anomalia.
Estreando na literatura em 2003, Ana Paula Maia foi aos poucos construindo seu universo literário em volta de personagens recorrentes, meio a um mundo bruto, de uma realidade dura e violenta, tramas que acontecem em ambientes que poucos de nós gostaríamos de vivenciar ou nos aproximar: matadouros, necrotérios lixões, prisões. O principal personagem que surge em suas obras é Edgar Wilson, com sua ética particular e propensão ao ato violento, desde que, em sua visão, justificado. Temos assim já alguns pontos que mostram o motivo pelo qual a obra da autora é uma anomalia.
Seus livros lidam com universos e personagens particularmente masculinos, quando se espera que uma escritora lide com temas ligados ao feminino, Ana Paula Maia prefere mergulhar no mundo e na vida dos homens, dos brutamontes que sobrevivem ao inferno que construímos e fingimos não existir. Ela dá voz ao outro:
“Quando me proponho a falar de certos ofícios, de certos indivíduos. Dificilmente os assuntos abordados na literatura do meu país me chama a atenção. Em geral, acho tudo morno. Antes de começar a escrever eu já achava, e hoje em dia, escrevendo, continuo achando. Sei que o meu caminho na literatura trilha por um lugar praticamente nunca tocado, ao menos, quase nunca. Quando escrevo, escrevo sobre o outro. O outro é o meu elemento de interesse, de aprofundamento.”
Esta escolha por uma escrita que lida com universos que normalmente entendemos como masculino, onde autores como Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, James Ellroy ou Raymond Chandler dominam o terreno, faz de Ana Paula Maia única em terra brasilis, e talvez tenhamos que olhar para outras literaturas para encontrarmos suas pares: Flannery O’Connor é a mais próxima em espírito e estilo; Virginie Despents pela crueza direta de seus textos; Samanta Schweblin muitas vezes se encontra nos mesmos ambientes sujos e violentos. Uma americana, uma francesa e uma argentina que em seus livros espelham a universalidade da obra de Ana Paula Maia, universalidade que parece incomodar parte da comunidade leitora do Brasil.
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