K-punk at large, pt.02
K-punk at large, pt.02
Por Simon Hammond
4 A curva do futuro
Fisher se movimentou na direção política oposta. O que ele reteve do período do CCRU foi, sobretudo, uma compreensão do capitalismo como a realidade inescapável do presente, combinada com um firme compromisso com o futuro. Mais tarde, isso assumiria a forma de um desejo (à esquerda) de recuperar o manto da modernidade, de desatar o futuro de sua captura pelo neoliberalismo. “É necessário” – argumentava ele, numa entrevista de 2010 – “chegar até o final do pós-fordismo e seguir olhando mais além, especialmente nos momentos em que parece não haver mais nada à nossa frente”. A sensibilidade distintiva de sua obra foi forjada na conjunção desse futurismo com um sentido agudo de perda da estrutura de sentimentos de sua juventude, dessa cultura social-democrata cujos estertores mortais ele testemunhara.
Nisso havia uma semelhança subjacente com as atividades de Hall durante o mesmo período: as conjecturas sobre os “novos tempos” tinham o mesmo objetivo de barrar o pensamento antigo. Nas análises proféticas reunidas em The Hard Road to Renewal (1988), Hall definia o thatcherismo como “a abertura de um novo projeto político à direita, a construção de uma nova agenda”, que exigia uma modernização ainda mais abrangente da esquerda. Na opinião de Hall, era essa a razão de retornar ao pensamento de Gramsci após a onda revolucionária de 1917-1924, não “para que ele pensasse por nós”, mas porque Gramsci suscitava as perguntas exatas com as quais uma esquerda renovada precisaria lidar, “dirigindo nossa atenção sem vacilar àquilo que é específico deste momento”, o modo “como forças diferentes se agrupam, conjunturalmente, para criar o novo terreno no qual se deve formar uma nova política”. A formação de Hall era de inspiração histórica e, apesar de Althusser, de recorte humanista, enquanto a formação de Fisher era oposta: o CCRU se ocupava principalmente em unir a filosofia anti-humanista à cibercultura emergente e, apenas ocasionalmente, interessava-se por processos históricos mais largos. Ainda assim, ambos estavam profundamente engajados com o problema da novidade e, quanto mais Fisher trabalhava nisso – sendo seu terreno originário, acima de tudo, a cultura popular, especialmente a música, e não o campo político –, mais se envolvia com questões relativas à mudança histórica.
5 Encontrando um meio
Depois de concluir seu doutorado, Fisher se mudou para a periferia ao sul de Londres. A princípio, era por disposição e falta de recursos que Fisher vivia e trabalhava nos arredores da capital. O significado cultural dos territórios às margens da metrópole, as inovações forjadas nos subúrbios e nas regiões afastadas, seriam, contudo, um tema proeminente em suas críticas. Sem romantizar – antes, ao contrário disso –, ele notaria que Siouxsie and the Banshees e David Bowie tinham vindo do subúrbio de Bromley, também no sul londrino; Japan, outro item básico de seu cânone cultural, era da vizinha Catford; J. G. Ballard, o autor mais frequentemente citado em K-Punk, que proclamou que “a periferia é onde o futuro se revela”, residiu ainda mais longe, em Shepperton.
J.G.Ballard
Em 2003, durante um período de depressão, Fisher criou o blog K-Punk. O “espectro maligno” da depressão o assombrava desde a adolescência e ele achava a vida “pouco suportável” durante esse período, com o blog fornecendo sua “única conexão com o mundo”. O “K” de K-Punk, que serviu como um título e uma identidade pessoal, foi uma derivação de κυβερ, a expressão grega para “cyber”, invocada num sentido amplo – não apenas como um gênero, mas como uma tendência social e cultural muito maior, facilitada pelas novas tecnologias. Suas reflexões penetrantes sobre cultura e conceitos teóricos logo conquistaram seguidores dedicados. Mantendo o espírito contestatório do CCRU e seu idioma de alta teoria aplicada à cultura popular, Fisher abandonou o que mais tarde chamou de “jargão intransigente”. A evolução de sua reflexão política trouxe outras mudanças incrementais. O pensamento de Fisher se tornou cada vez mais animado pelo desejo de transitar do individual ao coletivo, para reavivar a solidariedade numa era de atomização. Os primeiros posts do blog, impressos agora na nova coletânea, exibem um resíduo da aspereza do CCRU; mas há também um legado mais longo e menos proeminente de temas, como a cadência dada pela ficção científica ao funcionamento da ideologia, da classe e da mudança social – uma licença poética também ativa no trabalho de Land. O sentimento de alegria de Fisher junto à velocidade do contemporâneo, enquanto isso, diminuiu nos anos do Novo Trabalhismo, sendo substituído por uma preocupação com a estabilidade cultural e política.
Através de K-Punk, Fisher se tornou uma figura imprescindível numa mancha on-line de jovens intelectuais precarizados. Sua rede de blogs aglutinava um fórum para animadas discussões sobre música, cinema, teoria, filosofia e política; o formato se prestava à improvisação e, frequentemente, à experimentação de outros modos de escrita e de pensamento. Para Fisher, isso representou uma nova instância subterrânea da infraestrutura jornalística que prevalecera durante sua juventude; na descrição dada por Simon Reynolds, que contribui com o prefácio à nova coletânea, era “a imprensa musical no exílio”. Muito jovem para escrever para o New Musical Express ou o Melody Maker durante seus respectivos dias de glória, Fisher foi, em certo sentido, um sujeito descompassado com o seu próprio tempo, que atingia a maioridade como intelectual numa época e num ambiente inóspitos. É sintomático que New Statesman, para a qual ele escreveu seus primeiros artigos, tenha alterado suas condições de trabalho; sob nova redação, tornou-se o diário mais eficiente para o Novo Trabalhismo. As relações mal-humoradas de Fisher com a “mídia antiga” se tornaram um assunto intermitente de seu blog; porém, aqui, livre do controle editorial, foi capaz de abordar uma variedade eclética de assuntos de sua própria escolha, de Burroughs a Spinoza, dos ataques terroristas em Londres até a pornografia. Politicamente, Fisher podia ser muito mais selvagem do que Hall. Contestando a necessidade de votar em Blair em 2005, perguntava: “mas qual é a ameaça que os Conservadores de Howard representam? Eles vão suspender o habeas corpus? Não podem! Toneeeeeee já fez isso! Irão agradar descaradamente a direita nos temas da imigração? Bem, sim, isso é o que já está fazendo o Joker de Cara Histérica”. Musicalmente, seu escopo se estendeu dos novos lançamentos às diversas linhas de inovação, que se seguiram aos anos sessenta, do Glam, Punk, Pós-Punk, Novo Romantismo e Gótico até o “hardcore continuum” da música eletrônica, que começou com as raves e continuou através do jungle e do two steps. Lia vorazmente: Baudrillard, Ballard, Jameson, Sartre, Fukuyama, Veblen, Kant. Zizek lhe interessava em particular porque trabalhava com os mesmos materiais conceituais do CCRU, desde uma abordagem, porém, de esquerda. Numa resenha de 2004, em Mute, elogiou os livros de Zizek sobre a guerra ao terror como “intervenções imediatas nas questões geopolíticas mais prementes” e como “um maravilhoso anúncio do que a teoria pode fazer”.
Durante esse período, Fisher trabalhava em institutos de formação profissional, no grande distrito de Orpington, outra área suburbana de Londres. Outra vez mais se percebe o contraste geracional existente entre a experiência de intelectuais de esquerda anteriores, que passaram períodos formativos trabalhando na educação de adultos, além dos limites do sistema universitário. Para Edward Thompson e Raymond Williams, o terreno foi a Associação de Educação dos Trabalhadores (Worker’s Education Association), organização de educação não-formal, historicamente ligada ao movimento trabalhista. Fisher, ao contrário, estava ensinando jovens de 16 a 19 anos, numa subdivisão de nível inferior do sistema estatal de ensino. Estudantes desmoralizados, desfalecidos em suas mesas, lutavam para ler mais do que poucas frases. Uma entrevista que concedeu durante os primeiros dias de K-Punk registrou sua admissão de que era um “trabalho difícil e desafiador”, mas não considerava sua posição subordinada em comparação com uma colocação acadêmica “mais autêntica”. A experiência foi radical e Fisher, mais tarde, citou esse trabalho como elemento fundamental em sua reorientação política. Isso coincidiu com a implementação das reformas neoliberais no setor: seu blog incluía reflexões sobre o clima de “maior precarização, de novas políticas punitivas, contra adoecimentos, de professores sendo demitidos e forçados a se inscrever novamente em seus empregos, da imposição de mais e mais metas”, e lamentou a degradação de instituições que historicamente ofereceram educação alternativa àqueles de origem semelhante à sua.
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