K-punk at large, pt.03
Por Simon Hammond
7 O início de um movimento?
A singularidade de Realismo Capitalista não residia apenas nos traços mais gerais de suas análises, por mais poderosas que fossem, mas na força polêmica com a qual enfrentava as repercussões afetivas do neoliberalismo. Essa potência foi sentida imediatamente por aqueles que atingiram a maioridade sob o governo neoliberal, uma geração para a qual, como assinalou Fisher, o “capitalismo ocupava integralmente os horizontes do pensável”. Para um jovem escritor, que se tornaria um futuro colaborador da Zero Books, era “um chamado espiritual às armas”, “que diagnosticava o problema neoliberal e reimaginava a solução socialista com a força de uma revelação”, contornando anos de “cobertura pós- moderna” para oferecer uma base para a ação e uma razão para ter esperança; depois de tanto tempo debaixo d’água, “sentíamos que voltávamos à superfície para respirar”. Enquanto Realismo Capitalista desenvolvia temas de Jameson e Zizek, baseando-se neles, carregava, além disso, uma carga emocional ausente nos escritos desses últimos, uma sensação de que o autor vivenciava profundamente esse mal-estar contemporâneo, seja através da experiência de seus alunos, seja das pessoas privadas de apoio que haviam colapsado sob as “condições terrivelmente instáveis do pós-fordismo”. Zizek mesmo endossou o livro como “simplesmente o melhor diagnóstico sobre o imbróglio em que nos metemos”.
Apenas um ano depois de sua publicação, protestos estudantis eclodiram em todo o Reino Unido contra os aumentos nas taxas de matrícula impostas pela nova coalizão liberal- conservadora. Entusiasmado pela repentina eflorescência, Fisher descreveu as ocupações “que brotavam em todos os lugares como flores silvestres inesperadas”. “A única coisa com a qual eu posso comparar a situação atual”, escreveu em K-Punk, depois de se juntar aos protestos, é com a saída de um estado de depressão profunda. Esse foi o primeiro de uma série de eventos desestabilizadores na política britânica – desordem nas ruas, escândalos nos altos escalões – que Fisher examinou com a esperança de uma mudança no clima político, o tempo todo refletindo sobre a persistência do neoliberalismo (“arrasta-se como um zumbi, mas, como bem sabem os fãs de filmes de zumbis, às vezes é mais difícil matar um zumbi do que uma pessoa viva”). Contribuindo para a renovação das ações de oposição, Fisher escreveu e falou profusamente em reuniões e eventos durante esse período, produzindo uma ampla variedade de postagens em seu blog e artigos politicamente comprometidos sobre a fortuna e as estratégias dos movimentos de protesto; sobre austeridade, sobre o estado de bem-estar e o governo conservador; sobre o capitalismo comunicativo e a tecnologia; sobre neoliberalismo e democracia.
O sucesso inesperado de Realismo Capitalista transformou-o no principal título da nova editora de Goddard, Zero Books, e o pioneiro de uma série de livros sucessivos lançados por outros intelectuais de esquerda vindos da blogosfera: The Meaning of David Cameron (2010), de Richard Seymour, One-Dimensional Woman (2009), de Nina Power, e Militant Modernism (2009), de Owen Hatherley. Intimamente envolvido no projeto, o toque editorial de Fisher era inconfundível, expressando-se no manifesto da editora, que antagonizava com o “anti-intelectualismo cretino” e o “conformismo banal” da culturacontemporânea e afirmava seu compromisso com uma obra que fosse “intelectual sem ser acadêmica, popular sem ser populista”. O objetivo era fundar um “espaço paralelo, entre a teoria e a cultura popular, entre o ciberespaço e a universidade”.
Fisher voltou a fazer parte, uma vez mais, de uma animada constelação intelectual, agora mais expressivamente política, equivalente talvez à subcultura de esquerda que surgiu no Brooklyn durante a mesma época, igualmente estimulada pelos protestos após a crise financeira. Nos dois casos, surgia uma nova geração de intelectuais com a sensação de que, no jornalismo, no mundo editorial e na academia existentes, não havia espaço disponível para pessoas como eles, que estavam dispostos a desenvolver suas próprias instituições. Entre outras distinções, a manifestação londrina do fenômeno era bastante mais acanhada e empobrecida, refletindo o impacto de 30 anos de comercialização e austeridade nas universidades e no cenário cultural; por necessidade, era menos orientada para o jornalismo de prestígio e seus meios preferidos eram os blogs, livros semelhantes a panfletos e, posteriormente, os podcasts e os vídeos.
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