Soidades amargas, suspiros amantes: Miguel Angel Prado, quadrinista espanhol
O segundo capítulo sobre os quadrinhos de Miguelanxo Prado
Soidades amargas, suspiros amantes: Tangências e Traço de Giz, de Miguelanxo Prado
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Capítulo 2: Miguel Angel Prado, quadrinista espanhol
Miguelanxo Prado pode ser considerado um quadrinista do Boom del Cómic Adulto em dois sentidos.
Em primeiro lugar, está o sentido cronológico. A primeira etapa de sua carreira coincide, quase que exatamente, com aquele período histórico.
Normalmente, o Boom del Cómic Adulto é divido em duas fases. A primeira vai 1977, data de início da publicação das revistas da editora Nueva Frontera, a 1986, data de falência da Bruguera e início do declínio do número de revistas adultas publicadas. A segunda, de 1986 a 1995, data de cancelamento da revista Cimoc, da editora Norma. Era a única revista ainda publicada com as características daquelas idealizadas por Roberto Rocca. El Jueves e El Víbora sobreviveriam aos anos 90, mas como revista de humor e de pornografia. Apenas a primeira ainda existe, e é considerada a revista satírica mais importante do país.
As primeiras hqs de Miguelanxo Prado, por outro lado, foram publicadas em fanzines galegos [Xofre e Zero] no final da década de 70. Já em 1981, no entanto, ele publicou a sua primeira história na Creepy. Era uma das principais revistas da Toutain Editor, que misturava histórias originalmente publicadas na Warren [não por acaso, uma cliente da Seleciones Ilustradas] com outras histórias de quadrinistas adultos americanos [como Will Eisner],e mais algumas originais e produzidas por espanhóis. A participação de Prado foi anunciada na capa da revista — com o seu prenome na grafia espanhola, Miguel Ángel, e com erro de digitação em seu sobrenome, que virou Pardo.
Entre 1981 e 1986, Miguelanxo Prado permaneceria na Toutain Editor publicando histórias curtas nas suas principais revistas: além da Creepy, a 1984 e a sua sucessora, Zona 84, e Comix Internacional. As histórias desse período seriam posteriormente relançadas em formato álbum: Fragmentos de la Enciclopedia Délfica, Stratos e Crónicas Incongruentes. Ainda em 1986, ele iniciaria na revista El Jueves a publicação das histórias que posteriormente seriam reunidas no álbum Quotidianía Delirante.
Tangências, por sua vez, é formada por oito histórias curtas originalmente serializadas na revista Cimoc entre 1986 e 1995. Traço de Giz foi serializado na mesma revista entre 1992 e 1993. As duas hqs seriam publicadas em formato álbum em 1993 [Traço de Giz] e 1995 [Tangências].
Depois da publicação de Tangências, e com o fim do Boom del Cómic Adulto, Miguelanxo Prado somente lançaria outra hq inédita em 2003. Foi fora do país: ele desenhou uma das histórias curtas de Sandman: Noites Sem Fim, com roteiro de Neil Gaiman.
Na Espanha, o seu próximo trabalho seria lançado apenas em 2004. Foi um gibi educativo escrito em galego e primeiramente distribuído em escolas públicas, La mansión de los Pampín. A hq seria lançada comercialmente em espanhol apenas em 2005, pela editora Norma.
Essa etapa da carreira de Miguelanxo Prado, portanto, coincide cronologicamente com o Boom del Cómic Adulto. Além disso, no entanto, deve ser visto que ela não transcorreu de forma periférica ao fenômeno.
Entre 1980 e 1995, Miguelanxo Prado publicou suas hqs nas principais revistas do período: a Creepy, a 1984 e a sua sucessora, Zona 84, Comix Internacional, El Jueves, Cairo e Cimoc. São revistas criadas pelos editores mais importantes da época, Josep Toutain e Joan Navarro.
Também existe uma certa afinidade em relação ao conteúdo. As histórias de Miguelanxo Prado, finalmente, são dirigidas ao público adulto. Até hoje, o quadrinista fez apenas uma hq dirigida ao público infantil, Pedro y el Lobo. Mesmo assim, a sua abordagem é sofisticada, semelhante à dos livros e gibis de Neil Gaiman que são dirigidos para o público infantil.
Fragmentos de la Enciclopedia Délfica e Stratos, por outro lado, usam a ficção científica de uma forma satírica. Conforme o próprio Miguelanxo Prado, em uma entrevista publicada na revista Cairo:
“A Enciclopedia Délfica é uma tentativa de fabular o futuro, e de fazê-lo de uma forma pseudo-histórica. Ao longo de 12 capítulos e um espaço de tempo muito longo, tentei estabelecer um fio condutor que tivesse uma lógica dentro dos acontecimentos que se desenrolavam na narrativa. Eu também queria que todos os capítulos tivessem uma leitura negativa. Trata-se de uma série de erros humanos, apesar dos quais podemos constatar que existe uma espécie de evolução histórica que está acima daquela capacidade inata do ser humano de errar. Cada capítulo é um pouco da história das nossas falhas, o que que não impede que o próximo nos mostre um ambiente que evoluiu e, em alguns casos, melhorou.”
Por outro lado, o escritor galego X. L. Méndez Ferrín descreveu Stratos, no prólogo de sua primeira publicação em álbum, assim:
“Stratos supõe uma coisa muito séria: uma reflexão poética sobre a degeneração do sistema capitalista, sobre os diversos absurdos a que a acumulação conduz. Essas reduções (antecipatórias) do que temos hoje aos extremos da utopia, digo da utopia possível no sentido de Esnst Bloch, são assustadoras, porque aquilo que é aparentemente irreal explica e dá sentido ao realmente presente”.
Esse, no entanto, não é o caso de Tangências e Traço de Giz.
Traço de Giz até pode ser considerada uma história de viagem no tempo. Mas essa viagem no tempo é fantástica, e não científica. Tangências, por outro lado, é um álbum que reúne histórias curtas com uma afinidade temática completamente estranha aos gêneros pulp: são oito contos sobre pessoas que se encontram, de forma tangencial, em um romance breve e desprovido de significado.
Uma das histórias de Tangências, Privilégios Dourados, flerta com a sátira social. Ela nos mostra um romance entre um rapaz comum e uma aristocrata moderna. O romance parece uma versão de Romeu e Julieta: um casal separado pela hierarquia social. A sátira está no fato de que é a mulher que rejeita o romance por acreditar na validade da divisão de classe que separa os protagonistas da história — o que faz com que esse se suicide mais por vingança do que por amor.
Essa história, no entanto, é a exceção. Tangências e Traço de Giz não são histórias satíricas. Elas até propõem reflexões sobre a vida moderna, mas não o fazem de forma agressiva. A preocupação é menos com a vida social, e mais com a vida íntima.
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