A angústia de Graciliano Ramos
O homem Graciliano pensava sobretudo na sua vida interior, na sua conduta: buscava uma reforma interior.
A angústia de Graciliano Ramos
Por Alexandre Sartório
Uma das questões mais importantes e difíceis da vida talvez seja encontrar a principal origem dos nossos problemas mais significativos, daqueles mais profundos: são distúrbios da nossa alma ou do nosso entorno? Os demônios mais atrozes circulam interna ou externamente? Em resumo: a fonte de nossas piores perturbações está dentro ou fora de nós? A partir disso, podemos dizer conscientemente o que achamos de outra questão fundamental: é mais importante que eu lute contra meus demônios, tente melhorar principalmente minha personalidade, ou, se nós vencermos os demônios da organização social, reformarmos a sociedade, o mais significativo está feito, e consequentemente todos melhoraremos?
A literatura – ou, para chamar de modo mais abrangente, as histórias que contamos, ficcionais ou não – pinta-nos quadros que organizam e interpretam, de modo ao mesmo tempo conciso e abrangente, a realidade, os quais nos apresentam uma visão de mundo, insinuando respostas, nunca diretas ou simples e sem ambiguidades, à nossa pergunta: o fundamento dessa bagunça toda está dentro ou fora de nós?
No século XIX, desenharam-se, grosso modo, duas tendências mais ou menos opostas de replicar à questão: realismo, naturalismo, neorrealismo etc., e romantismo, simbolismo, romance psicológico etc. (Uma simplificação como essa é temerária, claro; mas ela serve para entender, em linhas gerais, o coração de duas visões essencialmente diferentes da realidade, as quais dão respostas também diferentes às vicissitudes do real). Em meados do século
XX, comentando a obra de Graciliano Ramos, Otto Maria Carpeaux apresentou assim a situação:
"Em S. Bernardo, Angústia, Vidas secas, reúnem-se, de maneira bastante rara, a corrente social e a corrente psicológica, introspectiva, as duas grandes tendências do romance moderno. Nessa fusão de elementos baseia-se, esperamos, a posição histórica de Graciliano Ramos e das suas obras, como contribuições do romance brasileiro à literatura universal."
Opõem-se no texto a “corrente social” e a “corrente psicológica”. Na corrente social tínhamos, por exemplo, Jorge Amado e José Lins do Rego; na psicológica, Cornélio Penna e Lúcio Cardoso. Este escritor mineiro, aliás, já torna a questão bastante complexa: em sua Crônica da Casa Assassinada podemos ver no meio da rapsódia de angústias dos personagens, a interpretação crítica da vida da elite decadente do interior de Minas Gerais. Mas e quanto a Graciliano? Sua “posição histórica”, como diz Carpeaux, estabeleceu-se de fato com a fusão de elementos sociais e psicológicos – o que fica absolutamente claro em todos os seus romances –, mas, questionando profundamente a obra do velho Graça, que tipo de posição pessoal obtemos com relação à angústia fundamental que apresento neste texto?
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