JOHANN SEBASTIAN BACH E A SUA PRIMOROSA “PAIXÃO SEGUNDO SÃO MATEUS”
Como é possível caber tanta virtuosidade e vida em um só ser humano?
JOHANN SEBASTIAN BACH E A SUA PRIMOROSA “PAIXÃO SEGUNDO SÃO MATEUS”
Por Maísa Carvalho
Não é curioso pensarmos que mais de duzentos e setenta anos após a morte de Bach (28 de julho de 1750) continuamos a nos impressionar com a grandiosidade de sua obra? Prosseguimos ainda busca de sermos humanos através de suas composições? Definitivamente um dos gênios que passaram por esse mundo, dentre os grandes, Johann Sebastian Bach é, para muitos, o maior compositor do Barroco. O alemão se destacou em praticamente tudo, com exceção da ópera; e mesmo sem nunca ter saído da Alemanha, também absorveu influências vindas da França e da Itália.
Haydn costumava dizer que veio de Bach toda a sabedoria musical verdadeira. Bach era conhecido pelo seu perfeccionismo, e dizem por aí, com profunda razão, que a sua música é absoluta. Admirado e lembrado como um apaixonado organista e exímio cravista, a sua personalidade e legado fizeram que o alemão representasse um tipo de genialidade talvez nunca superada.
O compositor também foi um dos poucos de sua época que caminhou bem através de dois movimentos: a polifonia religiosa e a (então novidade para sua época) música harmônica. Assim, compreendeu Bach o passado e o futuro, se tornando uma das figuras mais complexas e surpreendentes de seu tempo. Dentre sua imensa obra, conseguimos encontrar o porquê de ser ele um imortal criador. O alemão antecipou estilos musicais enraizados até hoje na história da música.
Dentre uma de suas maiores obras, está a "Paixão Segundo São Mateus, BWV.244" (em latim: Passio Domini nostri Jesu Christi secundum Evangelistam Matthaeum; em alemão: Matthäus- Passion) que narra o sofrimento e a morte de Jesus segundo o Evangelho de Mateus. Não é exagero pensarmos que a "Paixão segundo São Mateus" representa a grande contribuição de Bach para a história, e seja talvez seja a maior obra-prima musical de todos os tempos. Sambemos bem que a "Paixão segundo São Mateus" é majestosa, mas reconhecer toda a magnificência dessa especial composição nos tira da zona de conforto para encararmos a mente de Bach, recheada que grandes pérolas soltas em pequenos detalhes musicais que parecem nunca ter fim.
O BARROCO, A ALEMANHA E A IGREJA LUTERANA
Para entender como surgiu "Paixão Segundo São Mateus", devemos passar pelos caminhos tomados pela Europa e, em especial, a Alemanha nos séculos XVII e XVIII.
A primorosa obra de Bach ergueu-se no período Barroco, compreendido entre 1600 e 1750. Surgido na Itália com a ópera “Orfeo” de Monteverdi (1607), o barroco buscou tornar as canções mais expressivas e as letras mais proeminentes, buscando resgatar a dramaticidade grega e as emoções. Época de criatividade e riqueza musical, os séculos XVII e XVIII transformaram a história musical ao passo que protagonizaram o ápice do contraponto, uma espécie de música que usava linhas melódicas ou vozes múltiplas, além do uso do baixo contínuo e da harmonia tonal. Mais tarde, o barroco apresentaria a nova monodia (em oposição à “antiga” polifonia), com sua guinada em direção a uma melodia construída à base de acordes simples, que foi considerada extremamente revolucionária.
A era do barroco, vista como uma das mais longas da história, é fecunda, revolucionária e uma das mais importantes e talvez mais influente para a música ocidental. Na Alemanha, Bach representaria esse momento em companhia de nada mais nada menos que músicos como Schütz, Schein, Scheidt, Telemann e Pachelbel.
Foi no barroco também que a música dramática tomou espaço, como é o caso da nossa querida ópera. Dessa maneira, as cortes e as Igrejas disputavam pelos títulos das mais notáveis apresentações musicais. Enquanto as óperas de Händel se apegavam aos temas sobre conflitos humanos, a religião fazia da música um instrumento para se alcançar o céu - e nesta seara emerge Bach com seus impressionantes oratórios sacros a serviço da Igreja Luterana.
A música no barroco seguia o mesmo caminho das outras artes: o de fortaleza e exuberância. Nas obras religiosas como nas profanas, o objetivo do compositor era desencadear no ouvinte uma reação emocional. Novas formas que também surgiram, como a ópera e o oratório, deram forte ênfase à melodia e à expressividade. A música instrumental cresceu de maneira independente de cantos e danças, assim como o desenvolvimento de novas formas musicais como sonatas, partitas e suítes; o violino e o cravo ganharam popularidade; e na música vocal inaugurou-se o estilo concertante, conhecido pelo contraste de um grupo menor com outro maior.
Os artistas do barroco buscavam, sobretudo, arrancar a emoção da plateia. Essa ênfase às emoções não era apenas vista na música profana1. Com o objetivo de conquistar os fiéis que trocavam o catolicismo pelo protestantismo no século XVI, a Igreja também se apropriou dessa ferramenta: as autoridades eclesiásticas incentivavam os compositores a criarem músicas persuasivas emocionalmente. Não obstante, mais tarde a Igreja Protestante e suas doutrinas também se apropriariam dessa premissa com o mesmo objetivo.
A história da "Paixão Segundo São Mateus" começa em Leipzig. A vida musical na cidade era concentrada nas igrejas luteranas, onde a música detinha papel edificante e essencial para a celebração dos cultos religiosos. Martinho Lutero foi, dentre os reformadores de seu tempo, um dos poucos que não excluiu a música da Igreja. Muito pelo contrário, Lutero era defensor fervoroso da música não só na Igreja como também na educação. Teria dito ele certa vez em suas preleções sobre Gênesis (1535-1545) que "os milagres que se apresentam aos nossos olhos são muito menores do que aqueles que aprendemos com os nossos ouvidos". Diferentemente dos cultos nas igrejas medievais, onde o canto comunitário era permitido apenas em situações pontuais, Lutero estabeleceu o canto comunitário como manifestação essencial do culto, colocando a música não só nos lábios e ouvidos dos fiéis, mas também em seus corações.
As próprias igrejas luteranas tinham certa construção que favoreciam a percepção da música no ambiente. Diferentemente das igrejas católicas, as igrejas luteranas foram projetadas para que se ouvisse bem o pastor em todo o espaço, não havendo aquele silêncio presente nas igrejas católicas cuja justificativa se dá pelo sentimento da presença mística de Deus no ambiente.
Se o barroco começa com “Eurídice” (1600) de Caccini e Peri ou “Orfeo” (1607) de Monteverdi, termina com om as mortes de Bach e Händel em 1750. Dentre muitos músicos que foram considerados os grandes na extenso período do barroco, alguns são especialmente lembrados mais de duzentos anos depois. É o caso de Bach. E dentre a história da música mundial, o alemão sempre divide o posto com Beethoven nas listas dos maiores músicos de todos os tempos e todos os países. Neste último caso, que não seja prudente misturá-los em uma grande salada para escolhemos o melhor e o maior. Mas incontestável é o impacto que Johann Sebastian Bach ainda nos causa, mesmo após a sua morte, em um mundo onde o músico não viveu fisicamente. Talvez isso apenas se explique porque durante a sua vida, Bach sintetizou passado e futuro. Duzentos e setenta anos após a sua morte, ainda temos a mesma sensação.
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