O império burlesco de Bob Dylan
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A história por trás da produção do filme ‘A Máscara do Anonimato’ é daquelas que poderiam fazer parte do próprio filme, um misto de sátira, ficção distópica, musical avant-gard, comedia montypthoniana, e um daqueles filmes que nascem da ousadia – alguns diriam do egocentrismo – de artitas que exploram os limites do seu ofício. E no caso, o encontro de Bob Dylan e Larry Charles não poderia render outra coisa que não este filme peculiar, incoerente e genial!
Tudo começou quando Bob estava em com sua ‘Never Ending Tour’ a percorrer a década de 90, sempre em um ônibus a cruzar a América, ele matava o tédio assistindo a filmes e mais filmes, de todos os gêneros possíveis. E uma obsessão eram as comédias pastelão de Jerry Lewis, um dos grandes nomes da comédia americana, conhecido por seus filmes em que um personagem pueril enfrentava os percalços da vida – mulheres sensuais, chefes bravos, empregos medíocres – com suas maravilhosas e inocentes estripulias físicas e com uma imaginação fértil, que chegava a criar orquestras inteiras em um palco vazio!
Bob então teve a ideia de fazer uma série, e levar seu projeto para a HBO. Mas para não chegar lá de mãos abanando, ele decidiu convidar o roteirista de uma das maiores séries de humor da televisão, Seinfeld. Larry Charles era o nome certo para se aventurar com o cantor nesta missão: iconoclasta, rebelde e pronto para se atirar nos projetos mais inusitados.
O primeiro encontro dos dois ocorreu em um ginásio de box (do próprio Dylan!), e após uma intrigante dança de cafés quentes e frios, o cantor apresenta para o comediante uma caixa contendo vários pedaços de papel, e cada papel era ‘de uma parada de hotel, seja da Noruega, da Bélgica ou do Brasil e lugares diversos assim, e cada pedacinho de papel tinha uma linha, como uma linha rabiscada ‘Uncle Sweetheart’, ou um verso poético estranho ou qualquer outra coisa, e ele me falava ‘Eu não sei o que fazer com tudo isso’…e por alguma razão desconhecida eu consegui articular algo do tipo ‘olha, aqui você tem uma frase, aqui um personagem, esse personagem pode dizer essa frase’. E ele disse ‘você pode fazer isso?’ e eu disse que sim, que podia fazer aquilo.”
Agora era trabalhar em cima daqueles papéis e ideias soltas para escrever o roteiro.
“Acabamos escrevendo o roteiro de uma forma muito solta, assim como Dylan compõe seus versos, nós pegávamos pedaços de papel, os reuníamos, tentávamos criar algum sentido, encontrar pontos na história que funcionasse, e finalmente… tínhamos este tratamento bem elaborado para esta comédia pastelão que ainda contava com toques surrealistas e mais as músicas dele e coisas assim.
Daí a ideia era apresentar a ideia para o pessoal da HBO – e com Dylan na parada, Larry tinha certeza que o projeto ganharia sinal verde!
Eles conseguiram o encontro, e com ninguém menos do que o president da HBO na época, Chris Albrecht. No dia e na hora marcada entram Dylan e Charles pelos corredores da emissora: Larry vestindo o que era sua ‘roupa’ de uso comum na época, pijamas, e Bob vestido como um autêntico cowboy, chapéu preto, botas pretas, como se saído direto do set de um western.
Eles entram no escritório de Albrecht que efusivamente cumprimenta Dylan: ‘Oh, Bob, é incrível encontrar com você, olha só, eu tenho os ingressos originais de Woodstock! A resposta de Bob é daquelas que marcam a alma de uma pessoa: “Eu não toquei em Woodstock.” Então ele atravessa a sala, vai até as imensas janelas do escritório, e fica de costas para todos na sala até o fim da reunião!
Apesar da gafe inicial e de certo constrangimento, a HBO aceita o projeto. Mas quando eles se despedem, e já no elevador, Bob apenas diz: “Eu não quero mais fazer isso”. Era o gênio irascível de Dylan farejando um picareta, mesmo que este picareta seja um dos responsáveis pela ‘era de ouro da HBO’.
Só que Larry ali já estava envolvido com a ideia e com o universo criado por ele e Bob, e graças a sua insistência, o roteiro da série foi reescrito e virou o longa metragem do qual agora falaremos sem maiores delongas!
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