Onde os grampos não tem vez, pt.03
O desdobramento mais importante dos quadrinhos no Brasil nos últimos 25 anos foi a explosão de popularidade dos mangás.
Onde os grampos não tem vez, pt.03
Orientalismo
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O desdobramento mais importante dos quadrinhos no Brasil nos últimos 25 anos foi a explosão de popularidade dos mangás.
É um fenômeno que até custou para acontecer. O fenômeno mangá está diretamente associado à popularidade de Dragon Ball, do recentemente falecido Akira Toriyama. No Brasil, a série de animação de Dragon Ball começou a ser exibida em 1996, pelo SBT. Mas o mangá somente começou a ser publicado pela Conrad no final do ano 2000.
Depois dos personagens estrearem no ocidente na França, em 1988, o mangá começou a ser publicado na Espanha em 1992, pela editora Planeta DeAgostini. Em 1993, a Glénat (que se tornaria a principal editora de mangás do país) passou a publicá-lo na França. Em 1995, o mangá foi lançado na Itália. Ainda na primeira metade da década de 90, portanto, a série já era publicada nos três principais mercados de quadrinhos da Europa.
Da mesma forma que nesses outros países, o sucesso do mangá no Brasil foi estrondoso e imediato: a primeira edição da primeira série da Conrad foi premiada pela Dinap (naquele momento, uma das principais distribuidoras de bancas do país) por ter ultrapassado a marca de 100 mil unidades distribuídas.
Esse sucesso, por sua vez, levou ao desenvolvimento de um público bastante fiel e nichado. Não é, no entanto, um público minoritário: é bem possível que, como já acontece em outros países do mundo, a fatia do mercado dedicada aos mangás já supere a dedicada aos quadrinhos americanos ou europeus. Em 2001, no início da popularidade de Dragon Ball, foram lançados 87 volumes de mangá no Brasil. Em 2011, foram 313. Em 2021, 476. No ano passado foram lançados 553.
A maioria das editoras já comentadas lançam mangás. Merecem destaque a Pipoca & Nanquim, que publicou diversos mangás de Junji Ito, o principal nome dos mangás de terror contemporâneo, e a Devir, que lançou algumas das obras de caráter histórico-biográfico de Shigeru Mizuki – o excelente Marcha para Morte.
Mas 95% dos mangás lançados no Brasil são publicados por apenas três editoras: a Panini, no selo Planet Manga, a JBC e a NewPop.
A Panini/Planet Manga concentra dois terços dessa produção e é o maior selo editorial, de qualquer gênero ou origem, dos quadrinhos brasileiros. Publica as séries de maior sucesso (Naruto, Demon Slayer, Jujutsu Kaisen). A edição dos gibis dessa linha costuma ser realizada pela Mythos.
A JBC e NewPop operam em uma escala menor, mas são editoras mais interessantes.
A NewPop é uma editora pequena, criada por Junior Fonseca em 2007. Fonseca é gerente da Comix, uma das mais tradicionais lojas de quadrinhos do Brasil. Por outro lado, trabalhou nas revistas Anime Pró e Neo Tokyo, especializadas em cultura pop japonesa. Também trabalhou em eventos de animê. É, portanto, um fã.
Isso talvez explique porque a sua linha editorial frequentemente se define através das regras próprias desse nicho. A NewPop publica, por exemplo, mangás Yaoi e Shoujo-Ai. São histórias de romances homossexuais, frequentemente idealizados, masculinos e femininos. São gêneros típicos dos mangás, e que funcionam com uma lógica muito própria, que não coincide necessariamente com o ângulo “orgulho gay” que a editora pretende lhe atribuir em sua divulgação.
Assim, Frederik L. Schodt, um dos principais estudiosos de mangá do Ocidente, diz que o gênero Yaoi frequentemente se dirige ao público feminino. Histórias sobre o relacionamento homosseual entre homens, ele diz, seria uma forma que as garotas japonesas encontraram de desfrutar de uma história romântica idealizada, abstraindo-se de preocupações com o tabu da sua própria sexualidade. Banana Fish, mangá de Akimi Yoshida, que foi publicado pela Panini no Brasil nos últimos anos, é outro exemplo disso: a sua autora é uma mulher; no seu centro, existe um relacionamento entre dois homens de caráter ambíguo; a história é um thriller policial.
A editora também publica Light Novels, mangá OEL (original english lenguage, quadrinhos criados nos EUA que seguem a estética mangá), manhua (mangás chineses) e manhwa (mangás coreanos; recentemente perdeu a licença de Solo Leveling, um sucesso editorial, para a Panini). Só o uso desse vocabulário especializado e específico é uma indicação de seu público alvo.
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