Squeak the Mouse - Escatologia moral
Por Dionisius Amêndola
“Essas coisas não são boas para sua saúde, você corre o risco de ficar preso em um círculo alucinógeno vicioso.”
Massimo Mattioli
Massimo Mattioli foi um dos maiores humoristas da história em quadrinhos da Itália, e talvez o mais reconhecido no exterior. Em 1977, Mattioli conheceu Stefano Tamburini, conhecido por sua saga ultraviolenta RanXerox, e juntos fundaram o gibi underground Cannibale. Muitos de seus quadrinhos, tanto para crianças quanto para adultos, compartilham uma dinâmica e atmosfera que lembram os curtas de animação clássicos dos anos 1940 e 1950, mas também respiram o comix underground. A sua criação mais popular talvez seja 'Squeak the Mouse' (1982-1992), publicado por aqui em uma belíssima edição da Veneta (pra quem é velho, há a lembrança vaga de que lá na década de 80 pela extinta e saudosa Animal!)
Esta paródia de 'Tom e Jerry' mistura o clássico tema de gato e rato com pornografia, sangue e meta-humor, e causou um grande rebuliço nos Estados Unidos, onde o importador dos gibis de Mattioli o foi processado, acusado de distribuir obscenidades pornográficas. 'Squeak' viu a luz pela primeira vez na crítica italiana de quadrinhos Frigidaire. Mattioli fazia parte da "nova onda" de vanguardistas autores de quadrinhos italianos dos anos 1980, e publicou seus quadrinhos peculiares e experimentais em várias revistas de quadrinhos europeias para o público adulto, como a já citada Cannibale, mas também em revistas como Blue, El Víbora e L'Écho des Savanes.
Dando a impressão de um desenho infantil, a série de pantomima era na verdade uma mistura entre os desenhos clássicos de 'Tom e Jerry' de Hanna-Barbera e filmes B espalhafatosos americanos, além de claras influências de quadrinistas como Robert Crumb. Os episódios são iniciados com um cartão de título de desenho animado tradicional, no qual produtoras de ficção como "More Gore Galore Productions" e "Sickly Bad Taste Productions" apresentam o último episódio. Rotuladas de "goretoons" ou "respingos de pornografia", as histórias de gato e rato são de fato repletas de muito sexo, violência e sangue aos borbotões!
Mas para além da anarquia e gore, Mattioli mostra a beleza narrativa da Nona Arte - as cores são chapadas e vibrantes, os desenhos sintéticos, a economia narrativa, a ação desenfreada - tudo unido por uma diagramação neutra e repetitiva, com todos os quadrinhos do mesmo tamanho, em uma grade na qual três quadrinhos horizontais se repetem quatro vezes, distribuídos simetricamente na folha de papel - que muito lembra alguns dos melhores momentos de Dave Gibbons em Watchmen - esta simetria torna as aventuras ainda mais hilárias, absurdas e desconcertantes, e sejamos sinceros, absolutamente subversivas e geniais. Ao se utilizar de personagens antropomorfizados e colocá-los em situações que vão do grotesco ao pornográfico, da carnificina explícita ao horror escatológico, Mattioli, assim como Robert Crumb e seu Friz the Cat ou Art Spielgelman em MAUS, pode explorar os limites de nossas perversões, sadismos e taras – e a grade repetitiva da página revela que essas perversões, sadismos e taras nada mais são do que monótonos vícios que nos transformam em monstros sanguinolentos, em mortos-vivos consumistas e pornográficos.
P.S. Sim, o Matt Groening se inspirou no “Squeak” para criar o Comichão e o Coçadinha.
P.S.2 – Alguma editora nessa terra de tupinambás podia bem publicar a série Pinky, uma das maravilhas da Nona Arte!
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