The ideal order: reminiscências platônicas em Eliot - pt.03
A poesia expressa a Ideia do que é o humano
The ideal order: reminiscências platônicas em Eliot
Por Alexandre Sartório
Em “Shakespeare and the Stoicism of Seneca” (1927), Eliot sugere que, como poeta, Shakespeare lutou para atingir com sua arte “something universal and impersonal” (Eliot, 1984, p. 137). E afirma que, para poetas, “the essencial is that each expresses, in perfect language, some permanent human impulse” (Eliot, 1984, p. 137). Expressar-se em “perfect language” é essencial, pois só assim é possível, lembremos, encontrar o objective correlative que evoca imediatamente a emoção – emoção que equivale aqui a “some permanent human impulse”. Esta expressão, com a metafísica da arte de Schopenhauer em mente, podemos ligá-la à Ideia de humanidade, cuja contemplação é a finalidade da poesia para o filósofo alemão, e que é aquilo que só podemos intuir e que nos define para além da multiplicidade do mundo aparente: a verdade do homem, ou uma face dela – um “permanent human impulse”. Ainda nesse ensaio, Eliot também sugere o que seria a função da grande poesia, que: “is not intellectual but emotional, it cannot be defined adequately in intelectual terms. We can say that it provides 'consolation': strange consolation” (Eliot, 1984, p. 137). Talvez haja nessa ‘strange consolation’ também uma certa correspondência com a ‘resignação perfeita’, a finalidade da arte para Schopenhauer, apesar de, mais esclarecidas as concepções cristãs de Eliot, se ver a cisão profunda entre eles.
Em 1944, no ensaio “What is a Classic?”, Eliot busca apresentar características dos clássicos, partindo da obra de Virgílio. Ele comenta que a ‘maturity’, que leva à complexidade da obra, é uma das principais características de um autor clássico, e que: “complexity for its own sake is not a proper goal: its purpose must be, first, the precise expression of finer shades of feeling and thought” (Eliot, 1961, p. 59). Outra característica é a ‘comprehensiveness’ (Eliot, 1961, p. 69):
The classic must, within its formal limitations [the specific language], express the maximum possible of the whole range of feeling which represents the character of the people who speak that language. It will represent this at its best, and it will also have the widest appeal: among the people to which it belongs, it will find its response among all classes and conditions of men
Ao expandir essa ‘comprehensiveness’ para vários povos de diferentes línguas, adquirindo para eles relevância, o poeta atinge a universalidade (Eliot, 1961, p. 69-70). Daqui, podemos destacar, primeiramente, a função dos clássicos de alcançar uma “precise expression of finer shades of feeling and thought”, por meio da qual eles expressam “the maximum possible of the whole range of feeling which represents the character of the people who speak that language”. Essa expressão remete a um refinamento na expressão, que vai além dos sentimentos corriqueiros, isolados, para atingir uma abrangência maior, com elementos mais fundamentais e permanentes do homem (“maximum possible of the whole range of feeling”); daí ela conseguir “the widest appeal”, “response among al classes and conditions of men”, primeiro entre os falantes da própria língua, e, depois, universalmente. Mais uma vez, à grande poesia – os clássicos – é reservado um lugar elevado no pensamento do Eliot crítico, pois ela tem a capacidade de captar elementos complexos da vida interior humana (sentimentos, pensamentos) que abarcam a enorme variedade dela – volto a arriscar a aproximação com o platonismo: segundo Schopenhauer, a poesia expressa a Ideia do que é o humano e, no caso da poesia lírica: “reproduzem-se (...) o íntimo da humanidade inteira, e tudo o que milhões de seres humanos passados, presentes e futuros sentiram e sentirão nas mesmas situações, visto que retornam continuamente, encontram na poesia lírica sua expressão apropriada” (Schopenhauer, 2015, p. 288); e, segundo a formulação de Plotino, o artista se volta aos “expressed principles from which nature comes” –, e expressar, na obra de arte, essa imagem do que somos verdadeiramente, para além das aparências.
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